quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Mili

Ela surgiu em meu complicadíssimo mundo de 2009. Recém separada, bebendo muito, desempregada e absolutamente perdida. Quando olho para trás não consigo me lembrar de nenhum outro período mais louco ou mais triste. E no entanto, foi o tempo em que mais aprendi sobre a vida. Eu, 28 anos, sem pai, mãe, marido, filho, rumo, religião ou futuro bebendo em uma praça. Ela, 17 anos, com pai, mãe, sem rumo, religião e nem pensando no futuro bebendo em uma praça. 
Simpática, engraçada e bonita de um jeito que eu nunca fui ou poderia ser, se aproximou porque eu cantava Janis Joplin enquanto um hippie tocava o violão sentada na arquibancada do teatro de arena da praça. Entre uma música e outra ela batia palmas, perguntava de onde eu vinha, onde tinha aprendido a cantar daquele jeito e falava: "Você é a Janis Joplin, gata! E hoje eu te encontrei!"
Já havia sido chamada de Janis Joplin antes e isso já não me comovia mais como acontecia quando eu tinha 15 ou 16 anos. Minha paixão por Joplin, Morrison ou Hendrix se fora muito tempo antes. Só estava lá bêbada e eufórica dando à César o que era de César. Cantando o que gostariam de ouvir naquela noite. E eu olhava para ela e pensava: "O que essa pirralha bonitinha sabe de música ou de qualquer coisa para ficar aqui me rodeando achando que vai ter minha atenção?"
Mas ela conseguiu minha atenção. Meu ego me entregou pra ela. Vocalista sem banda já fazia dois anos. As palmas me ganharam. A bajulação que parecia tão sincera me pegou de jeito.
Naquela mesma noite madrugada adentro ela estava cortando os braços com a fivela de um cinto e eu não fiquei surpresa. Adolescentes do underground são assim. Tão "Clarices" de Legião Urbana. Um dia eu já fui uma. Mas não era corajosa para ser radical assim em chamar a atenção. Ou não sentia a dor que ela sentia. Que mais tarde eu fui saber, existia sim. 
Daquela noite em diante começamos a nos encontrar semanalmente. E a cada semana era uma surpresa. Ela era especial. Especial em todos os sentidos em que uma pessoinha pequena daquelas poderia ser. Pequena no tamanho, porque ela era na verdade grandiosa. Dona do senso de humor mais perspicaz que já encontrei em alguém, verdadeira e autêntica em cada segundo da sua existência, corajosa e livre de qualquer tipo de preconceito e pasmem, cheia de princípios tão nobres que desbancariam qualquer religioso que eu tenha ouvido falar. Aquele monte de qualidades tão banais hoje em dia que ninguém com menos de 20 anos parece levar muito à sério... Honestidade, honra, não fazer com o próximo o que não gostaria que fizessem com você, etc etc. Sim, ela era especial.
Quando me dei conta eu tinha uma nova amiga. Uma companheira de baladas (Quantas histórias? Poderiam se tornar um livro!). Um ombro pra chorar. Alguém para dar risada sem parar e fazer um monte de merda que não deveríamos fazer e que me fazia rir de tudo no final. 
Eram em dias ruins que ela era ainda melhor. Eu ligava pra ela pra encher sua cabeça de 20 anos com os meus problemas de 30. Ela ouvia, me chamava de ridícula, insuportável, imprestável, retardada. Sempre dizia que a culpa de tudo era minha, mas que ela mataria pessoalmente todos os que estavam me fazendo mal com as próprias mãos. E eu ria. Ela então dizia que viria me encontrar e que iríamos xingar todo mundo e que tudo o que eu estava sentindo ia passar. Então a gente se encontrava. Xingava todo mundo. E passava.
Ela seguiu vivendo alucinadamente sem tempo para considerar muita coisa. Ela tinha uma visão simples das coisas. E era o que eu achava mágico nela. Ir se tornando tão descomplicada com o passar do tempo, cada dia mais. E ela vivia mil histórias, vivia muitos dramas... E sempre dava a volta por cima mandando tudo e todos à merda, com a classe e dignidade de uma diva. Morou na minha casa um tempo. Foi morar no Rio de Janeiro um outro tempo. Morou em outros lugares também. E falar com ela pelo telefone era a minha terapia. Então ela voltou. A vida foi acontecendo.
Quase cinco anos se passaram... 
Eu, 32 anos, mãe, marido, casa para cuidar, tentando ser melhor do que sempre fui. Ela, 22 anos, acalmando o coração selvagem e indomável, apaixonada pela primeira vez, tentando ser melhor do que sempre havia sido. Estávamos trabalhando na mesma empresa e nos encontrando diariamente para os cigarros na correria das pausas do trabalho. As mesmas risadas, os mesmos "insuportável, retardada, ridícula", nossa paixão uma pela outra nunca se esfriou, não importavam as mudanças que havíamos vivido.
Então ela sofreu um acidente de moto em um sábado à noite com o namorado, foram socorridos, ela passou por uma longa cirurgia no dia seguinte devido às muitas fraturas. 
No dia seguinte da cirurgia eu estava lá no hospital. E ela parecia bem apesar de tudo. Sem danos neurológicos. Fizemos planos para a sua recuperação, pois ela ficaria um tempo sem andar. Sorria bastante, dizia estar contente porque o acidente não afetou o rosto dela e lamentava a jaqueta rasgada no resgate, arrumava a franjinha sem parar com o espelhinho e tirava sarro dela mesma naquela situação.
Me despedi e disse que ia estar ao lado dela, que a amava e que tudo ia dar certo. Mas saí de lá chorando muito. No dia seguinte ela teve complicações. 10 de julho de 2013. E meu coração ainda não parou de doer e eu ainda estou assustada. Ela não está mais aqui.
No velório não parecia ela lá. E eu cantei pra ela uma vez mais. Beatles. E... Assim, de um dia pro outro, 22 anos, uma vida inteira pra viver, mais mil histórias para contar, ela se foi.
E eu sinto saudade. Todos os dias. Eu sinto saudade. Da voz dela, do sorriso, das risadas que não daremos mais, dos sonhos bobos que não falaríamos mais, do fim-de-semana que não passaremos juntas, do quanto ela sinceramente me amou pelo que eu era, apesar de quem eu era.
Mili, um dia eu espero te encontrar em algum lugar me esperando pra dizer "Madonna, você chegou!" e eu vou responder "Lady Gaga, que saudade!"... E a gente vai rir outra vez, você vai me mostrar como é o céu, onde é a melhor balada e me apresentar pra todo mundo... E vai dizer assim "Gente, essa é a minha amiga Janis, vocês precisam ver ela cantando, ela ar-ra-sa!!!"
Então eu canto pra você, mais uma vez...

domingo, 11 de novembro de 2012

Manhãs

Meus dias começam cedo. Todos eles. Desde que me tornei mãe. Todos eles.
E por um tempo eu achei ruim... E fiquei desejando poder dormir um pouco mais... E fiquei imaginando se um dia eu ainda poderei dormir um pouco mais. 
Mas hoje meu filho completa sete meses e não sinto mais falta de dormir um pouco mais.
Porque de manhã eu sou a Raquel que eu gostaria de ser todas as vinte e quatro horas do dia. 
Porque eu acordo com a impressão de que o mundo é novo todas as manhãs, de que sou nova todas as manhãs... E que sou capaz de fazer qualquer coisa. Porque eu ACORDEI.
Minha vida mudou, eu mudei, meus sonhos mudaram, meus objetivos são outros. 
E como sentir falta de um tempo em que acordar doía tanto? Como sentir falta de um tempo em que o sol não brilhava assim? Não há nostalgia mais. O que existe são essas manhãs em que estou acordada enquanto meus amores voltam a dormir e eu fico aqui fazendo planos para o dia, para que eles fiquem felizes como eu me sinto feliz... Ou as manhãs em que faço todo mundo acordar comigo e imito o burro do Shrek dizendo "vamos lá, vamos nessa, isso aí" e vou trabalhar com a certeza de que tudo vale a pena. E o cansaço que me faz dormir às sete da noite em um sábado à noite é aquele que faz com que eu me sinta útil, importante e fundamental para alguém. 
Meu filho acorda sorrindo todas as manhãs, ele é mais sábio do que eu jamais fui. Ou talvez tenha sido, em um tempo que eu não poderia lembrar. E eu consigo arrancar um sorriso todas as manhãs desse "menino grande" que está aqui do meu lado logo que ele acorda, mesmo que ele não queira, ele não consegue evitar. Por aqui a gente sorri de manhã. Sempre. E eu não preciso de nada além deles estarem aqui para sorrir também.
São essas manhãs... Em que eu poderia voltar a dormir, em que eu poderia estar fazendo qualquer outra coisa que tem mudado a minha história.
Uma manhã de domingo como a de hoje... Que me faz sorrir, que me faz feliz.
Porque eu ACORDEI... E felicidade está aí. Então vamos sorrir...


domingo, 3 de junho de 2012

Relacionamentos que dão certo

Relacionamentos, relacionamentos... Estou cansada de filosofar, viver, acontecer e sempre chegar naquela estúpida conclusão de que nada dá certo. "O que não dá certo, minha filha?", eu então me pergunto... Será que eu ainda estou naquela do "viveram felizes para sempre"? Já deu, né? Tem um monte de relacionamentos que dão certo. Eu inclusive tenho uma tese de que todo relacionamento que acontece dá certo, nem que seja um daqueles "balada-fim-de-noite"... Você olha pra ele, ele olha pra você, não precisam necessariamente ter uma longa conversa sobre profissão e sonhos para o futuro, não precisam necessariamente sequer saber o nome um do outro... Rolam uns beijos e mais nada. Você volta pra casa com as amigas. Ele vai pra casa com os amigos.  Não rolou sexo, você pegou o telefone, ele pegou o telefone, mas ninguém vai ligar. Por que não deu certo? Deu certo sim. Naquela hora este era o relacionamento que você queria, que a pessoa também queria. 
"Oh, meu namoro durou dois anos, mas não deu certo". Como não? Foram dois anos dando certo.
"Morei com ele dez anos, tivemos um filho, mas não deu certo". O que? Não deu certo? Você tem uma história com a pessoa, gerou uma vida, sentiu na pele a aventura de ter morado debaixo do mesmo teto com outro alguém dez anos e acha que isso é não dar certo?
Por que essa ilusão de que para que um relacionamento dê certo ele tenha que terminar em casamento, filhos, felizes para sempre, dois velhinhos caminhando na praia e enterrados no mesmo túmulo? Isso acontece, é bonito e inspirador. Mas é um padrão de felicidade que frusta qualquer um que não está vivendo nele. Se questionamos tanto a existência da própria felicidade por que não questionar os padrões que estabeleceram para ela em nossas vidas?
Quando estamos solteiros passamos todo o tempo lamentando por não termos alguém ao nosso lado, quando a gente casa passa o tempo todo lamentando porque não temos mais liberdade... Que tal começar a viver o hoje aproveitando tudo o que ele pode te dar com aquela consciência magnífica de que nas próximas vinte e quatro horas tudo pode mudar na sua vida? Acho que já lemos e ouvimos isso centenas de vezes, muitas vezes até repetimos isso. Mas nunca colocamos em prática. 
Hoje eu olho para trás e acho que todos os meus relacionamentos deram certo. 
Em um deles aprendi a ser amada, em outro fui ensinada a amar, outro me deu um filho e aí sim eu pude saber o que é o amor. 
Alguns me divertiram um bocado, outros me encheram um bocado o saco. 
Mas tudo deu certo... No momento em que aconteceram deu certo.
O que não deu certo não foi o relacionamento (Seja da espécie que tenha sido, mediocridade querer categorizar o encontro com outra pessoa por mais breve e informal que tenha sido de "nada" e de relacionamento apenas quando você decidiu amar para sempre, ser fiel até a morte e mudar seu status no facebook até que terminaram depois de três meses... Ooops, três meses? À princípio era para sempre, não era? Qual a diferença então? Ok, essa é uma outra pauta interessante). O que não deu certo foi o monte de atitudes estúpidas ao terminar, o que não deu certo foi a infinidade de sentimentos horríveis que você cultivou depois em relação a pessoa por egoísmo, imaturidade, falta de bom senso e compreensão. O que não deu certo foi essa frustração por buscar um padrão de felicidade que não está sob nosso controle porque dependemos de uma outra pessoa. O que não deu certo foi se culpar, não se achar bom o bastante,  culpar o outro, odiar e se torturar.
Relacionamentos dão certo. Todos os dias. Uns continuam. Outros não. Em alguns se ama, em outros não. 
Seguir em frente entre encontros e desencontros é o que vale a pena. 
Se relacionando bem com você mesmo, o que faz toda a diferença. Esse é o relacionamento  que realmente depende de você dar certo e durar.
E  então nada, nada mesmo impede que possa acontecer o que chamamos de "felizes para sempre" e ele continuar...


terça-feira, 20 de março de 2012

Perdoe-se

Quantos erros não cometemos tentando acertar? Ou por acaso alguém erra de propósito?
E cá estou eu no auge dos meus 31 anos dando uma olhada na minha coleção de erros acertadíssimos e pensando que eles foram responsáveis por tudo o que sou hoje.
Estes dias eu estive passando por uma libertação incrível. Aquela que vem quando decidimos nos perdoar.
A gente junta um monte de decepções, frustrações, raiva e ódio ano após ano enquanto o tempo vai passando. Culpamos e crucificamos algumas pessoas que passaram por nossas vidas o suficiente para termos gastrite, insônias, dores musculares e um medo enorme de acreditar em quem quer que seja outra vez. A gente alimenta isso dia após dia até estarmos completamente podres. Fica se perguntando como fazer pra perdoar tanta agressão de tantos tipos diferentes. Fica tentando achar uma maneira de conviver com o passado que tantas vezes continua presente por tantos motivos sendo feliz, sem se incomodar... E não conseguimos. E a gente sofre.
Mas o sofrimento não continua aí por conta dos imbecis e cretinos que fizeram o que fizeram. Não.
Não somos responsáveis pelas atitudes de ninguém, não podemos nos culpar pelas ações alheias que nos afetaram. Que nos foderam, para ser bem clara.
O que faz a gente sofrer é o quanto a gente se culpa por enxergar o quanto fomos idiotas. Idiotas de deixar certas pessoas entrarem em nossas vidas. Idiotas por permitir que fôssemos feitos de imbecis. E a gente sofre com essa raiva de nós mesmos, enquanto transfere inconscientemente a culpa para as pessoas. Sem entender que não dá pra perdoar ou esquecer certas coisas que vieram de fora. Mas há alguém que a gente consegue perdoar... Porque a gente nunca deixa de amar. Nós mesmos.
Então de uns tempos pra cá eu comecei a entender que na hora que as coisas acontecem a gente não vê que está sendo idiota. Como a gente pode se culpar por coisas em que estivemos enganados? Porque carregar isso? E por quanto tempo mais? 
Eu decidi me perdoar. Por todas a vezes em que fui idiota. Por todas as ocasiões em que permiti que alguém em fizesse sofrer. Por ter acreditado nas pessoas erradas. Por ter me importado com o que não importava. Por ter me enganado.
A vida não vem com manual e nem bola de cristal. As pessoas não possuem selo de qualidade do Inmetro. Nenhum filho-da-puta vem com um selo escrito "filho-da-puta, lavar a seco". 
O único jeito de saber foi vivendo. O único jeito de viver foi arriscando.
Perdoe-se. Perdoe-se porque no fundo é sempre com você mesmo. Nunca foi entre você e as outras pessoas.
Perdoe-se pelos erros do passado, já se sinta perdoado pelos erros que ainda irá cometer. 
Ainda que a gente viva 100 anos e busque a sabedoria de todas as formas nunca vai saber tudo, nunca vai entender tudo.
Viva seus dias rindo. Comendo e bebendo. Sendo feliz com o que você tem. Tentando acertar sempre que puder mas sem medo de errar.
Perdoe-se e os fantasmas param de te assombrar e você consegue lidar melhor com os que não podem ser expulsos da sua vida.
Perdoe-se. Então a vida continua...

"Chore, grite, ame.
Diga que valeu, que doeu, que daqui pra frente só vai melhorar.
Perdoe, insista, ame novamente.
Não leve a vida tão a sério.
Descomplique.
Quebre regras, perdoe rápido, beije lentamente.
Ame de verdade, ria descontroladamente e nunca lamente nada 
que tenha feito você sorrir... "
Vinícius de Moraes

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Imune

Esses dias eu descobri algo incrível. Ou "inquível", como diria a Nina, filhinha de dois anos e meio da minha amiga Auriana.
Às vezes pessoas me magoam. Normal. Pessoas magoam umas às outras. Com ou sem intenção. Por querer ou sem querer. Magoam. Magoam tentando se defender, magoam tentando ajudar, magoam simplesmente sendo elas mesmas muitas vezes. Magoam. Fato. Não há solução para isso. Aprender a lidar é tudo o que podemos fazer. Fazer o possível para não ser o magoador, o impossível para não ser o magoado.
Enfim... Pessoas me magoaram. Na hora doeu. Houve reação. Me afastei. O tempo passou.
E então... Quando esta pessoa que eu gosto tanto veio falar comigo pedindo desculpas do seu jeito "sem pedir desculpas", e então a encontrei e tivemos um tempo tão bom juntos... Eu simplesmente não me lembro mais o que havia me magoado. E por mais que eu me esforce agora para lembrar eu não consigo.
Isto aconteceu duas vezes nos últimos tempos.
Até me lembro da situação, mas a situação não parece mais nem grave... Quanto mais algo para me magoar... O que será que faz isso com a gente? De onde vem essa amnésia de sentimentos? Por que então simplesmente não nos magoamos na hora? Por que conseguimos compreender depois?
Acho que é porque aquela pessoa que foi magoada não é mais a mesma que está aqui agora.
Talvez um breve espaço de tempo é capaz de nos transformar quando a lição tem um impacto maior do que imaginávamos sobre nós.
Este também pode ser o mecanismo do ser humano. Então eu me pergunto... Por que tem gente que briga e nunca consegue perdoar? Por que tem gente que nunca consegue se arrepender? Por que tanta gente que não consegue se entender?
Talvez o amor esteja intimamente "metido" nessa história. Talvez ele e o tempo trabalhem juntos.
Talvez eu seja uma cabeça de melão mesmo, uma manteigona, uma bobona que sempre perdoa tudo...
Ou estou em evolução constante e agora descobri a última...
Hoje sou imune a picadas de escorpião.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Quebra-cabeça

Chega um momento na vida em que algumas coisas que defendemos tanto perdem completamente o sentido... De repente você olha pra alguém que lhe parecia um quebra-cabeça e você entende, você encaixa peça por peça como se houvesse feito isso por toda a sua vida... Você se coloca no lugar dessa pessoa de tal forma que parece sentir suas dores e anseios nos próprios poros... Você pega seus interesses mesquinhos e egoístas e os lança fora do espetáculo.
Como seria viver em um mundo onde as pessoas não pensassem apenas em si mesmas? Como seria se todos se aproximassem uns dos outros com a única intenção de fazer bem a alguém sem esperar nada em troca? Não seríamos todos recompensados com amor e paz? A verdade é que todo mundo quer as coisas boas que os outros podem lhe oferecer, mas não se preocupa em oferecer o seu melhor ao outro.
E se aquilo que o outro vive e sente não está de acordo ou de alguma forma contraria o seu próprio desejo o que fazer senão rejeitar, eliminar, execrar, esquecer o outro? É assim que é. É assim que tem sido.
Não aceito mais olhar para as pessoas dessa forma. Não está no meu quadro de expectativas e critérios... Fora. Não, não pode mais ser assim.
Logo eu, que suplico por compreensão, logo eu, que não aceito injustiças, logo eu, que sofri tanto por não ser amada apenas pelo que sou, mas sim pelo que deveria ser... Quem sou eu para impôr alguma condição àqueles que eu deveria simplesmente amar e compreender em tudo o que significam como pessoas?
Quem sou eu para não montar o quebra-cabeça? Se me entregam as peças uma a uma, ainda que com receio de que elas se quebrem em novas e doloridas partes?
Dizem que todos nós nos encontramos com os outros munidos de um pacote... Neste pacote está tudo aquilo que vivemos, todas as marcas de alegria e as cicatrizes das nossas feridas... Quem você se tornou depende deste pacote. Não há um pacote igual ao outro, jamais reconheceremos os nossos nos outros. Cabe a cada um abrir o pacote do outro e compreender quem é a pessoa a sua frente. Ou simplesmente se agarrar ao próprio pacote e morrer só com ele.
Feridas se curam. Cicatrizes se apagam. Mas só há uma chance para que isso aconteça... Não machucar mais.
Não me permito mais ferir quem quer que seja com meu egoísmo, meu egocentrismo, meu sentimento de posse, meus próprios anseios e desejos.
E aperto o foda-se no que diz respeito a mim mesma daqui pra frente.
O segredo da felicidade é tão óbvio e parece tão absurdo que ninguém consegue enxergar e portanto ninguém mais consegue ser feliz... Ninguém monta o quebra-cabeça para chegar nesta figura esdrúxula, neste quadro que beira o ridículo. Que o outro esteja acima de si mesmo e então você terá a honra e a felicidade que sempre procurou. Amar o próximo está muito além de um simples mandamento. Cristo nos entregou o caminho para a felicidade e não queremos entender.
Preferimos a vida vazia e cheia de satisfações pessoais sem sentido a entregar os pontos e admitir que o orgulho, o ser cheio de si mesmo, a intolerância e a vaidade não são nada... Não valem nada. Não somam nada. Não significam nada. E nunca, jamais te fez feliz.
Raquel, você não me importa mais. O que você sente não me importa. O que você deseja não me importa. Em algum lugar haverá alguém para montar seu quebra-cabeça e cuidar de você.
Eu agora só penso naqueles que por alguma razão estão em minha vida, naqueles que por alguma razão o impossível trouxe para perto me entregando suas peças...
E como alguém me disse esses dias... É mais fácil crer que o impossível aconteça do que no que é possível.
Eu apenas creio que de alguma forma, em algum momento, não importa quando, nem como, nem onde... Quebra-cabeças se montem. Para felicidade de todos nós...



domingo, 9 de outubro de 2011

Por cima...

"Estou sozinho por opção", "Minha ex me deixou mas foi porque não aceitou as minhas condições", "Nos separamos depois de 10 anos, mas estou muito bem sem você", "Perdi o emprego, mas não era mesmo para mim o lugar!", "Não tenho tempo para mais nada!", "Sou muito feliz sozinho", "Eu não consigo arrumar tempo para viajar (Ou será dinheiro mesmo?)", "Pôxa vida, cara, eu ontem saí com três minas na balada em que eu estava! (Duas que não se lembra por estar bêbado, uma que o "pegou" sem que ele percebesse e parecia Samara Morgan saindo da tv...), "Ela não era pra mim mesmo, somos muito diferentes"... Eu conseguiria me lembrar de pelo menos uma centena de frases desse tipo. Justificativas, desculpas, visões enobrecidas e fantasiosas sobre situações da vida para que você pareça estar sempre no controle... Uma enorme vontade de provar para todo mundo que é o cara mais foda que já habitou este planeta. E que quando as coisas saem erradas é óbvio que você já estava preparado, ou causou a situação, ou ficou feliz... Não importa o que seja.
E você vai nessa dia após dia imaginando que alguém mais acredite nisso fora você.
Mas verdade seja dita... Nem você acredita nas suas versões da história. 
Então de vez em quando mostra que alguma coisa dói. Que algo te faz sofrer. Que você tem, claro, situações adversas como todo mundo. Então mostra aquilo que a sua fantasia acha mais poético e menos decadente mostrar... Inventa uns motivos para sofrer... Claro, sempre por algo que não roube muito a sua postura de fodão. Mais mentira, mais versões para histórias, mais conceitos para justificar seus preconceitos e massagear seu ego.
Reconhecer o próprio valor é um sentimento saudável, querer impôr o próprio valor aos outros através de fantasias é neurose.
Chamam essa postura de defesa ou auto-defesa e há quem diga que se é algo inocente que não tem como intenção passar por cima de ninguém deve ser encarado como algo normal nas pessoas. Seria compreender.. Mas eu ando em uma fase complicada para entender este tipo de atitude. A autenticidade tem se tornado, dia após dia, minha busca pessoal e meu foco de crescimento. E ainda que seja inocente eu considero babaca. Que seja amar o pecador e não o pecado. Não aprovar a babaquice mas compreender o babaca. Não estou mais em condição de compactuar e fingir que acredito neste tipo de postura ou comportamento.
É hora de crescer, botar os pés no chão... Assumir as verdades que vivemos. Assumir a condição que enfrentamos. Ser humilde o suficiente para entender que a gente vive muito e não sabe de quase nada, que somos rejeitados, que perdemos, que não fomos bons o bastante em muitas situações, que sonhos se perdem, que não somos amados como gostaríamos, que a gente nem sempre é aquilo que imaginou.
Eu não faço mais questão de ser melhor que ninguém. Eu só faço questão de ser quem eu sou.
E só espero não ser mais parte dos contos de ninguém daqui pra frente. 
Que eu talvez ainda, com muita sorte, possa ser a fantasia saudável de alguém...
Que eu não seja mais parte da sua versão da história.


Foto de Paula Andrade Álvares